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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

MAUAD E O MOTORISTA

Exemplificando como o sono é importante para o organismo e como serviço noturno pode ser perigoso, nosso professor discorreu sobre uma situação pela qual passou, anos atrás.

Como advogado, viaja muito.
Certa feita, em uma viagem ao Rio de Janeiro, percorria a ponte Rio-Niterói.
É linda!
Mas longa e reta.
Viajava em ônibus noturno e estava estrategicamente posicionado.
Olhando, distraidamente, para o espelho, verifica que o motorista piscou.
Mostra-se atento.
Pisca o motorista, novamente.
Fica alerta.
Na terceira vez, não titubeou.
Dirigiu-se à cabine e começou a entabular uma conversa com o condutor do veículo.
Perguntas vãs, sem propósito por uma resposta.
O motorista, de certo, pensou: quem é esse chato?
O chato era um passageiro certo de que um nada seria preciso para que o veículo despencasse ponte abaixo.
Que não se incomodaria com o epíteto de chato, contanto que chegasse, incólume, ao outro lado da ponte.

O relógio biológico, comum aos animais, data de três milhões de anos.
Vem somatizando ao nosso DNA. O fenômeno da luz elétrica é recente, de pouco mais de um século. O dia foi feito para o trabalho e a noite, para o descanso. A luta contra o sono é uma luta ingrata.
Por tudo isso, o legislador entendeu que este trabalhador devesse ter uma jornada menor, e uma compensação financeira.
É certo que existem pessoas que conseguem funcionar bem à noite. São os chamados notívagos. Estudos reconhecem isso em mais ou menos dez por cento da população.

Brigar com a natureza pode trazer sérios riscos. À nossa saúde e à segurança nossa e de terceiros.
Daí, não custa nada observar pelo retrovisor e ser o próximo chato.

sábado, 27 de setembro de 2008

SÃO PAULO-SALVADOR

Nosso professor Rollo, mestre de Direitos Difusos e Coletivos, profere palestras em universidades de todo o Brasil.

Para ilustrar o erro na informação de produtos e serviços vendidos, nos oferece o seguinte exemplo:

Certa feita, tomou a fila para o embarque no avião que, vindo de Buenos Aires, o levaria a Salvador, seu destino.

Após uma hora de espera, a polícia federal revista sua bagagem e lhe retiram o frasco de perfume. Poderia ser empecilho em uma viagem transnacional, justificado pela proibição de se viajar com líquidos, mas não em um vôo doméstico, São Paulo-Salvador.

O problema: a companhia aérea simplesmente não informou que seria um vôo internacional.

A conclusão: “passagem para Salvador, senhor, de hora em hora”: sob quais condições? Todo cuidado é pouco!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

JUSTO É ...

Final de semestre, alunos estressados, professores estressados. Estamos às vésperas das últimas provas antes das férias do meio do ano.

Durante a aula, o professor chama a atenção de um aluno, que estava conversando. Mais tarde, o convida a se retirar.

- Já estava me incomodando. Agora, está incomodando o pessoal. Vai descansar lá fora. É, você.

Nós nos acostumamos, desde o primeiro ano, a esculhambações dos professores, muitas delas culminando na retirada de alunos da sala de aula: bonés, chicletes, livros, trabalhos ou revistas que não tenham a ver com a aula. Foram advertidos alunos por sentarem-se desajeitadamente e convidada a se retirar uma garota que lixava suas unhas durante a exposição do mestre.

Faz sentido. Estamos em uma faculdade de Direito.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

MESTRES DE CADA DIA: O MOTORISTA DE TÁXI

MESTRES DE CADA DIA: O MOTORISTA DE TÁXI


Durante a última aula, nossa professora Rosa fez um pequeno aparte, digno de nota. Novamente é ela a protagonista, dividindo o espaço com uma figura muito especial.

Precisou a professora ir a um enterro, e estava emocionalmente abalada. Como o cemitério Getsêmani ficasse longe, alugou um táxi.

Durante o trajeto, o motorista explicou que foi aprovada uma lei proibindo o uso de amianto na fabricação de materiais de construção e de pastilhas de freio.

Sem o amianto, a durabilidade das pastilhas é menor. No entanto, nenhum motorista teria reclamado. Jamais o motorista ouviu qualquer comentário contrário, embora o custo com a manutenção do seu meio de sustento tivesse crescido.

Isto porque o amianto é um agente comprovadamente cancerígeno, causador de graves danos à saúde.

Comentou então que foi ajuizada uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo, para que fosse declarada a inconstitucionalidade da lei.

Proposta a ação, o ministro Marco Aurélio concedeu a liminar, suspendendo a lei, porque seria inconstitucional.

O ministro Marco Aurélio é sempre o voto contrário. É já lendária a sua posição. A posição do voto contra a maioria. Se existir um voto contrário, é sempre o dele. Mas sua manifestação foi devidamente justificada, segundo o seu entendimento.

Em seqüência, narra o taxista que na véspera o STF teria derrubado a liminar e o amianto continua proibido.

Nossa professora Rosa não sabia do caso, e aprendeu com o motorista. É bastante curioso.

Ela é uma profissional do Direito. Leciona há muitos – e muitos – anos e advoga. Como se não bastasse, tem um filho juiz.

Faz o desjejum, almoça e janta Direito. E em um eventual encontro aprendeu, além dos elementos que envolvem o direito discutido, uma coisa maior.

A sociedade têm desenvolvido consciência social e ecológica. Isso é maior do que aquele simples “de cada ser humano tenho algo a aprender”. Porque as pessoas estão mais atentas e engajadas.

A aula foi ministrada no dia 5 de maio, dia do meio ambiente.

MULTIPLICIDADE

Já esteve em uma situação como no pavimento superior da Estação da Sé do Metrô, lá em cima, e por alguns segundos observar as pessoas passando, agitadas e anônimas, em sua lida, para todos os lados, à frente, pelos lados e embaixo?

Não apenas observá-las, mas senti-las, e ter a sensação de que cada uma delas guarda uma vida, que poderia gerar histórias que preencheriam as estantes de uma biblioteca?

Cada um tem a ensinar, a aprender, a crescer e mesmo a perder-se.

Se uma vida é perdida, não é apenas um, mas um infinito. Dessa forma, cria-se um vácuo, além do vácuo que é o não saber.

Tanto que se poderia ver, aprender, apreender, e não conseguimos. É uma leitura do mundo diferente da nossa.

Costumo comparar as perspectivas pessoais com um globo, desses usados em salões de baile, multifacetado.

Cada pequeno pedaço desvendaria uma visão do mundo, e jamais abarcaremos todas as múltiplas dimensões.

Mas a teoria do globo pode ser aplicada a infinitas possibilidades, porque a vida não é feita de um único fato, mas fatos multiplicados que se encaixam uns aos outros, sequencialmente. Além das perspectivas, experiências.

Então olhamos a multidão-massa e podemos perceber que naquele conjunto de não-identidades existem individualidades. Pessoas em seus mais variados momentos, vivendo, pulsando.

Cada uma delas, um universo, inalcançável.

A multiplicidade é vida.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

PROFESSORA ROSA: NÃO ZERO, MAS MEIO

No quinto ano estamos todos ansiosos: temos a entrega e a apresentação da monografia, estágios, conclusão das horas de atividades complementares, os cursos de ética e, por fim, as provas e os trabalhos de graduação. Sem esquecer aqueles que trabalham em tempo integral para subvencionar o próprio pão (assim como o aluguel, as mensalidades da faculdade, as roupas e tudo o mais) e precisam conciliar o seu tempo com as tarefas elencadas, todas obrigatórias.

A professora Rosa Pelicani, advogada, mãe orgulhosa de um filho que foi excelente aluno, atualmente magistrado, é professora de processo civil. Notável professora, ministra suas aulas com método, de forma didática e eficiente. No entanto, é também conhecida pelo rigor com que aplica as suas provas.

Outro dia, durante a aula, uma vez que estivéssemos adiantados em relação às outras turmas, nossa professora abriu um espaço para o diálogo.

domingo, 25 de maio de 2008

NEI FREDERICO CANO MARTINS: A ÚLTIMA GRANDE HOMENAGEM

No sábado, dia 10 de maio de 2008, assisti a mais um Encontro da nossa faculdade sobre o Direito do Trabalho.

Sexto evento do gênero, abarcou duas palestras. A primeira teve por tema a atualidade dos princípios da seguridade social; a segunda abordou os tratados internacionais e as convenções da OIT.

Em dado momento, minha amiga Renata observa que todos os componentes da mesa eram juízes. Juízes ou desembargadores.

Verifiquei, passando os olhos por todos os participantes, que a afirmativa estava correta: com exceção de nosso diretor, o professor decano e renomado advogado, Dr. Pimenta, todos os outros eram juízes.

O primeiro palestrante da tarde foi o Dr. Marcus Orione Gonçalves Correia. Dono de vasto currículo, é bastante apenas a citação de sua livre-docência pela Faculdade de Direito da USP e do seu trabalho como docente na graduação e pós-graduação da mesma faculdade.

Antes do eminente convidado iniciar sua fala, agradeceu à mesa e dirigiu-se, específica e especialmente ao nosso professor Nei. Disse que este era um herói, reconhecido pela classe dos magistrados.

Afirmou que o Direito tem uma tendência sazonal, por uma década pendendo na defesa do devedor; na década seguinte, inclina-se para a proteção do credor. Concluiu afirmando que o nosso professor, enquanto juiz do trabalho, lutou contra a maré, sozinho, em uma década em que os direitos dos trabalhadores eram relativizados, e que graças ao trabalho de homens como ele, todos temos hoje muito a agradecer. Empertigou-se e prestou a reverência com o próprio corpo, braços estendidos em direção ao nosso professor.

Terminada a saudação, asseverou que, prestadas as homenagens à casa, a quem devia, poderia então começar a falar.

Foi um dos quadros mais marcantes que vi em minha vida, que levarei como recordação como momento inesquecível.

Em nada o ato de respeito diminui a figura do nobre palestrante; antes, ao contrário, mais o enobrece e dignifica. O ato prestou-se, também, a que tomássemos, todos os presentes, nota de que a figura que temos ao lado, tão carinhosa, humilde e prestativa, é um grande homem que não se arvora nos louros e homenagens recebidos para sobrepujar-se, acima e sobre os que soletram as primeiras letras do Direito ou os seus companheiros na docência.

O quadro ficou. Tomei minhas notas, publiquei-as.

Na sexta-feira seguinte, ao chegar à faculdade, os portões estavam trancados. Um cartaz divulgava o falecimento de nosso professor.

Não fui sua aluna, posto que estudo à noite, e ele lecionava no período diurno. Não diretamente. Conheci-o participando de nossas semanas jurídicas, em que ele sempre se apresentou. Era uma figura inigualável, ímpar. Poeta, compositor, cantava e tocava em nossos eventos. O clima tornava-se de festa, e o auditório o acompanhava, em êxtase. Uma catarse coletiva.

Contatos mais tive quando surgiram dúvidas. Com a delicadeza de um amigo, retirava as nuvens. É significativo mencionar que foi o seu livro, criado em parceria com o nosso também professor Marcelo Mauad, que orientou nossas aulas de Direito do Trabalho.

Foi um professor também amado e respeitado pelos outros mestres. A humildade e a amizade sincera com que se dirigia aos colegas fizeram dele pessoa grata onde estivesse. Freqüentando a sala dos professores, jamais o vi deixar de cumprimentar, com delicadeza e afeto, quem quer que fosse.

À professora Elisabeth, dedicada por excelência, coube noticiar-me sobre o velório, onde tive a felicidade de saber, por sua sobrinha, que aquela figura que eu tinha há pouco como um professor jovial e alegre, teria completado sessenta e três anos na semana que seguiu o evento e no ano passado recebera uma comenda do Tribunal do Trabalho.

Ontem, dia 21 de maio, a Renata descreveu uma cena que a chocou. Chegando à faculdade, na mesma sexta-feira em que anunciada a morte de nosso mestre, reparou em rapaz, postado à frente do cartaz. Lendo o aviso, fez-se branco. Percebia-se a sua emoção: estava, claramente, gelado, transtornado. Arfava. Naturalmente, emocionara-se ao saber da notícia.

Mas a decepção não tardou. Dirigiu-se a ela, desconsolado: “Eu tinha que entregar este livro na biblioteca, hoje!”. E foi-se, com o livro na mão.

Atribuo a atitude desrespeitosa não apenas ao descaso, mas aos princípios que têm regido nossa juventude. Mesmo que não fosse seu aluno e que não tivesse a dimensão de nossa perda, poderia ao menos revelar alguma curiosidade sobre a figura pela qual a faculdade revelava o seu pesar.

O professor Nei foi-se. Nunca mais o veremos em nossos eventos, que tornar-se-ão menores. Perdemos em alegria e encanto. Ficará a honra de termos abrigado um grande homem. Ainda que nem todos tenham a qualidade de poder avaliar as presenças que os circundam, todos os dias. Ainda que nem todos tenham a felicidade de ter participado de um evento que nos proporcionasse captar a dimensão de almas guerreiras e generosas.

Ao fim, registro uma fala de nosso diretor, o Dr. Pimenta, sempre repetida, assim como também proferida neste último encontro: “Se um dia nos depararmos com o confronto entre o Direito e a Justiça, lutemos pela realização da Justiça”.

Tenho muito a agradecer ao nosso nobre palestrante, Marcus Orione, que proporcionou a última grande homenagem a um homem simples e digno e à professora Elisabeth, que tanto respeito e admiro.

Viveu simplesmente e amava o que fazia. Recebeu as honrarias em vida, o que na verdade é o que importa. É igualmente relevante que, tendo sido um lutador e recebido mostras de respeito de grandes homens, não tenha feito delas motivo para sobrelevar-se, acintosamente, ante os demais. Descanse em paz, meu professor Nei Frederico Cano Martins.

domingo, 18 de maio de 2008

DEFESA E CONSERVAÇÃO

Certa feita, na aula de Direito Internacional, nosso professor Rui Décio precisou exemplificar o direito de defesa e conservação dos Estados.

Perguntou à classe com qual direito se parece. Não obteve resposta. Não por outro motivo, mas nossa classe não é muito receptiva às perguntas dos professores.

Toma então o professor a iniciativa de provocar, fisicamente, o João, nosso colega, para que este responda. Uma investida leve.

- Ora, João! Você nem se mexe! Legítima defesa!

O professor diz que não provocaria nosso outro colega, na ponta da classe, porque está armado. De fato, tem ele andado com o auxílio de duas muletas, porque foi vítima de um acidente automobilístico.

- Se eu o provocasse, me daria uma muletada na cabeça.

Pergunta, então, o professor: alguém usa arma, aqui? Todos os olhares da classe dirigem-se ao João. Quieto, João não responde.

Ante o olhar atônito do professor, alguém esclarece:

- Ele é policial.

O professor:

- Você? Deus! Amanhã, notícia de jornal: “professor é baleado por provocar policial”.
O João, afinal, responde:

- Não. Só a uso em legítima defesa.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

COMMENT ALLEZ-VOUS?

Quando estudante de Arquitetura, na Faculdade Mackenzie, nós, alunos, víamos nossos professores, corriqueiramente, conversando em inglês. Em especial os professores de projeto tinham esse costume. Talvez porque viajassem em conjunto e vissem no colóquio uma especial prática.
As conversas não teriam o fito de torná-las mais particulares, uma vez que é bastante comum o aluno entender, ao menos, o idioma.
As aulas de desenho, no primeiro semestre do curso, eram ministradas pelo professor Carlão. Ele também lecionava física, para as turmas mais avançadas. Uma figura muito especial. No doutorado, defendeu a tese de que qualquer pessoa era capaz de pintar, como os grandes mestres da pintura.
Nós, seus alunos, reproduzimos telas de artistas consagrados, aprendemos a ler as pinturas e aplicar técnicas do ramo. Guardava as melhores com muito carinho. Além de servirem como material de apoio, que atestava a nossa infinita capacidade, eram igualmente expostas em salões de arte.
Certo dia, sala cheia, repleta de rostos adolescentes, dirige-se a mim, a mais velha da turma:
- Comment allez-vous?
Como deve responder alguém que saiba, mesmo rudimentarmente um idioma, se lhe dirigem a palavra nessa língua? Ora, a resposta era fácil, a primeira coisa que se aprendia quando as escolas nacionais ainda ensinavam o idioma francês. Despejei alegremente:
- Oh la la! C'est magnifique! Parle vous français? Je vais très bien merci, et vous?
O professor olhou-me, estupefato. Com seu corpo enorme, começou a medir o chão da sala, em largas e pesadas passadas, cadenciadas pelo refrão, que repetia em voz alta:
- Et vous, ... et vous, ...
Foi até o final, voltou ao centro e, com os braços abertos, olhando-nos, arrematou:
- Et vous me fodê! Et vous me fodê!
A obscenidade é e deve ser reproduzida no respeito à história, fielmente descrita. Afinal, é o ponto alto, o desabafo de nosso grande – em todos os sentidos – mestre.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

FOI DEUS!

A Renata e mudou-se, com sua família, para um apartamento novo. O apartamento é ótimo, em um local também muito bom. Mas precisava de pintura. Novo, não poderia ficar com cara de velho e sujo. As paredes riscadas não condiziam com o novo ambiente, saudável e arejado.

A família é composta por Lize, a mãe, que é professora, e as duas moças, que trabalham e estudam. Também um rapaz, engenheiro de formação e profissão, que não trocaria uma lâmpada ou mesmo um chuveiro. Nenhum deles tem a menor aptidão para a pintura de paredes.

Correm todos em busca de um pintor: lista telefônica, vizinhos, contatos. Eis que um surge, e logo abandona o serviço. Nova pesquisa. Ao todo, foram dois meses de buscas, sem êxito.

Até que a mãe lembra-se de um pintor, um tal Pavão, que as serviu há cinco anos, na casa antiga. Seu nome estava na agenda velha.

A Renata prontifica-se a ligar. Na dúvida, era melhor não perguntar pelo Pavão: - Bom dia, é da casa do pintor?

Do outro lado, atende uma mulher. Gagueja. Ao final, lembra-se: meu sogro é pintor.

A Renata, nada objetiva: - Desculpe, mas só tenho o apelido, não o nome dele.

A senhora, do outro lado: - É Boi.

Nossa amiga deixa escapar: - Eu tenho escrito aqui Pavão.

Ao ouvir Pavão, a mulher responde: - Pavão? Não conheço nenhum Pavão! Meu sogro é boi. Sempre foi Boi!

A Renata pede, então, para que a interlocutora confirme o número do telefone (é uma saída para pensar). A mulher diz o número, que não confirma o registrado na agenda. Ou seja, havia discado para o número errado. E agora?

O fato é que a Renata se sai muitíssimo bem em situações assim. Decida rápido. Não pensou duas vezes: - Ah, desculpe! Está escrito aqui ao lado, Boi, mentiu. Eu não tinha visto.

O homem, o tal Boi, foi contratado. Um sujeito enorme, do tipo “Á espera de um milagre”. O serviço prestado revelou-se esplêndido, asseverado pelas três mulheres que não sabem pintar uma porta, mas podem avaliar defeitos no serviço que pagam: o menor respingo, uma pequena falha.

Ao final do trabalho, o homem pergunta à Lize, mãe da Renata: - Quem me indicou para a senhora?

Ao que ela, sem titubear, afirma: - Foi Deus, tenho a certeza.

O homem, sem saber a verdade, comenta: - Eu entrego cartões para muita gente. Deve ser isso.

Mal sabe ele.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

VÔO ERRADO

Conto o milagre, mas omito o santo, por óbvio.

Quem nos relatou a história disse que um caso desses jamais deveria ser contado pelo protagonista, sequer aos amigos. Se recordado, apenas no banheiro, sozinho, com a luz apagada. Como a história fez-se pública, lá vai ela.

Nosso amigo tinha o destino de ir a Rio Branco, apresentar uma palestra. Para a viagem, precisou embarcar em São Paulo com destino a Brasília, e de lá tomar uma conexão a Rio Branco.

A viagem de São Paulo a Brasília transcorreu normalmente.

Os vôos estavam sofrendo já alguns atrasos, que incomodavam sobremaneira os passageiros.

Chegando lá, foi noticiado que se dirigissem às plataformas de embarque de seus vôos: para tal lugar, plataforma um, para qual lugar, plataforma dois, e assim por diante. Nosso amigo, expedito, embarcou.

Passados alguns instantes, um sujeito o aborda:

- Esse lugar é meu!

- Não, não é! Eu tenho o bilhete, a poltrona é minha.

Quase iniciam uma discussão quando a comissária de bordo, intercedendo, resolve a questão ao sugerir ao novo passageiro outro assento, vago.

Acomodados, o comandante do vôo pede que apertem os cintos, deseja a todos uma boa viagem e anuncia que vai taxiar.

Com o avião em movimento, novo aviso, para desejar novamente uma boa viagem com destino a São Paulo.

São Paulo?! Nosso amigo, no final do corredor, tem um ataque.

- Parem! Parem o avião! Eu vou descer!

A comissária aproxima-se e ele mostra sua passagem. O seu destino é Rio Branco.

Pacientemente, como devem agir as comissárias, informa a moça ao comandante a situação: o avião terá que parar.

O avião pára.

Pelo alto falante, novo aviso:

- Informamos aos senhores passageiros que o vôo sofrerá novo atraso. Aguardaremos o desembarque de um nosso passageiro, que tomou o avião errado.

O nosso amigo, lá no fundo do corredor, encolhe-se: sumir, sumir. E agora?

O jeito foi tomar suas coisas e caminhar o longo corredor, sob as vaias de todos os demais passageiros.

Quando contou a história, disse que processaria a companhia aérea, porque teria ela errado ao informar o número do vôo.

- De todos os passageiros que embarcaram, quantos tomaram o vôo errado?

- Só eu.

Disse cobras e lagartos da companhia até hoje, mas não a processou.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Falando em discrição

Por que as pessoas revelam os segredos que lhes foram confiados?

Por primeiro, pensemos na questão do confiar segredos. Por que os confiamos? Para dividir um peso, para nos tornarmos cúmplices, para mostrarmos a nós mesmos que sabemos avaliar as pessoas.

No entanto, poucas delas são confiáveis, a ponto de guardá-los.

Quando de posse de uma informação, têm como que um trunfo, negociável. É algo que o outro não tem. O revelar o segredo é a cumplicidade do confiado com uma terceira pessoa.

Daí, reproduzo o Poema da Discrição, do qual desconheço a autoria, mas o entendo da maior utilidade, para o resguardo de nossa intimidade:



Não te abras com teu amigo

Que ele um outro amigo tem.

E o amigo do teu amigo

Possui amigos também...

(Mário Quintana, Espelho Mágico)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Eu, pássaro pintado: a alegoria de Kosinski

O menino é enviado
Para safar-se dos alemães.
Perde-se.
Vagueia.
Olhos negros.
Cabelos negros.
Terra de seres alvos:
Pássaro pintado.

O pássaro retirado aos seus,
Pintado, e novamente em liberdade.
Perseguido e bicado.
Até a morte.
"Sou um dos seus!"
É.
Talvez.
Não parece.
Não o reconhecem.

Kosinski narra.
Viveu, conta a história.
Denso.
Sua história.
Nossa história.
Sou o menino.
Sou o pássaro pintado.
Somos.


Jerzy Kosinski narra de forma enxuta, mas marcante.
A alegoria, quiçá encarnada, remete-nos aos eventos mais diversos.
A Polônia de 39 existe, ainda hoje, em toda a parte. Está no Brasil, em cada um de nós. Eles apenas levaram às últimas conseqüências o que nós todos chamamos de uma vida normal.
A normalidade admite a não-aceitação dos contrastes. Admite o mensurar o outro pela observação da cor das penas, ainda que sejam, originalmente, iguais às nossas.
Não é uma alusão à cor da pele, mas uma referência mais ampla, que nos separa em grupos fechados, em equilíbrio. Equilíbrio sutil.
Nesse contexto, todos, em alguma ocasião, somos o pássaro pintado.
Não apenas o outro, mas o diferente, o intruso. Aquele que, de alguma forma, ameaça a igualdade de forças estabelecida.
É o mote que nos separa.

Limitar-me ao meu mundo e aos meus instrumentos. Trabalhar o pensamento e a palavra. Transformar-me, a mim. Tarefa já árdua.

sábado, 19 de janeiro de 2008

A Débora e o guarda-chuva

Certa feita, a professora Débora, na pretensão de exemplificar o direito de propriedade, relembrou uma história vivida por ela e sua avó.

Ela era menininha, e sua avó a levava à escola, todas as manhãs.

Chovia, e ambas abrigavam-se em um mesmo guarda-chuva. De repente, um vento fustiga as caminhantes e vira o aparelho.

A avozinha, nervosa, tenta colocá-lo a prumo: uma, duas, três vezes.
Ensopadas, impotentes diante do aguaceiro, têm apenas o guarda-chuva desmantelado a servir de testemunha. Testemunha muda, imbecil, imprestável.

Não pensando duas vezes, a avó bate violentamente o guarda-chuva contra o primeiro poste, várias e várias vezes:

- Droga de guarda-chuva! Inútil! - Bradava a avozinha, sem norte. Choveram os impropérios, que lhe desafogaram o peito.

Molhadas, sim. Encharcadas. Porém, vingadas.

A moral da história está representada na violência contra o guarda-chuva: era propriedade da vovó, e a sua destruição - diga-se, total - não causou mal algum a ninguém. Assim, se o inútil foi detonado, a quem importou?

No caso, não há função social de nada, não há obrigação nenhuma, não há direito de ninguém, a não ser o da dona do guarda-chuva.

Exemplo dado, gravado, passado adiante.

ITANHAÉM, MEU PARAÍSO

ITANHAÉM, MEU PARAÍSO
Nada vale um coração tranquilo.

MARQUINHOS, NOSSAS ROSAS ESTÃO AQUI: FICARAM LINDAS!

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