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quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

PAPAI NOEL - CRÔNICAS DE UMA ESTAGIÁRIA DE DIREITO - NO POUPATEMPO

A Lígia anunciou o Papai Noel. Era idêntico aos desenhos, às fotografias de Natal: a altura, as bochechas, o porte. Tinha a barba branca e os olhos grandes. Tudo idêntico, com um senão: era negro. Negro, alto, pobre, o nosso Papai Noel.

Procurava informação quanto a algum benefício do governo. Morando em casa cedida de favor, vivia da assistência prestada pela igreja.

Pesquiso na internet a respeito do LOAS. LOAS é a abreviatura da Lei nº 8.742, conhecida como a Lei Orgânica da Assistência Social. Um benefício do governo, dirigida aos carentes e sem recursos para sua própria subsistência. Idosos sem recursos e portadores de deficiência física incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, têm garantido um salário mínimo por mês, durante o resto de suas vidas. Se o Papai Noel preenchesse os requisitos, poderia contar com um salário mínimo por mês, o que no seu caso já seria de grande valia.

Encontro o site do Planalto, leio: setenta anos. Pesquiso outros sites. Indago aos meus colegas, e bingo! O Estatuto do Idoso alterou a concessão dos benefícios do LOAS, reduzindo a idade de concessão para sessenta e cinco anos.

Quantos anos o senhor tem? Sessenta e quatro. Acabou de completar. Papai Noel não se encaixa. Existe previsão para reduzir a idade para a aquisição do benefício para sessenta anos, até dois mil e oito. Dois mil e oito está relativamente distante.

Muito, para quem precisa já.

Perguntei-lhe se não tinha família, filhos. Teve. Sobrou-lhe um filho, morador no interior do Paraná. Este é mecânico e pobre. Com família e poucos recursos, assim envia, quando pode, uns parcos cem reais ao pai. Entretanto, pouco pode.

O caso é triste, como o são muitos casos trazidos pelas pessoas que nos procuram. Digo-lhe que possui duas alternativas: ou espera completar os sessenta e cinco anos, ou ingressa com uma Ação de Alimentos em face do filho. Explico do seu direito a receber uma prestação alimentar. Senão o filho, quem o poderia? Talvez um irmão? A hipótese do recebimento de alimentos de filho ou parente é descartada de pronto.

Resta esperar.

Papai Noel não pretende trabalho empregado. Já trabalhou. É alto e forte. Há seis anos está sem trabalho fixo, desde um afastamento, por doença. Às vezes, lhe aparece um “bico”. Vive como Deus lhe concede viver. E viver é tudo quanto pretende, até quando mais não possa.

PANELA DE PRESSÃO - CRÔNICAS DE UMA ESTAGIÁRIA DE DIREITO - NO POUPATEMPO

Casa própria, renda per capta no limite para o atendimento. Boa aparência, nível superior. Cinqüenta e poucos anos. Funcionária pública.

- O que a trouxe aqui?

Despeja montes de apontamentos e cópias de e-mails enviados. Tinha ela sede de falar, colocar para fora. E falava. Tanto falava que me aturdiu.

Não dizia a que vinha, mas contava a história toda, detalhe a detalhe.

- Dia esse eu comprei uma panela de pressão. A mais cara da loja. Aqui está a nota.

Prova com a Leonor - COLEGAS, AMIGOS E PROFESSORES

Ontem tivemos a última prova de Processo Penal deste ano. A professora que nos acompanhou foi a Leonor, de Direito de Família.
Ontem tivemos a última prova de Processo Penal deste ano. A professora que nos acompanhou foi a Leonor, de Direito de Família.

Das vezes em que levantei a cabeça e a olhei, sorria.

Ao final, depois da entrega da prova, ela comentou comigo que é interessantíssimo estar lá na frente, enquanto fazemos a prova. Deveriam filmar, porque é muito engraçado.

Eu rio o tempo todo. Disse que, se depender do meu humor, devo ter ido muito bem.
Comentou também de outros colegas. O Márcio, por exemplo, resmunga durante toda a prova. Outros têm os olhos espichados para a prova dos colegas.

As pessoas desligam-se, e agem instintivamente, em atitudes cômicas.

Eu não sabia que ria, durante as provas.

Deve ser muito chato para o colega ao lado, que precisa de pontos, olhar para mim.
“A desgraçada, além de tudo, fica rindo!”

Ocorre que acho engraçado quando, se de três assertivas, sei duas, e na escolha das opções-teste, sobram duas que enquadram as possibilidades permitidas pelas afirmativas.

Penso que posso recorrer a um atalho, mas o professor me pegou, de novo.

Então, tenho que ler novamente, com mais atenção, a última proposição.

Pode não ser engraçado para muitos, talvez a maioria.

Pode até nem ser engraçado.

Poderia pensar que é um azar, porque não pude adivinhar a resposta, como também poderia pensar que o professor foi esperto, antevendo a minha dúvida.

Tudo depende.

O velhinho do ônibus - CRÔNICAS DE UMA ESTAGIÁRIA DE DIREITO - NO POUPATEMPO

Eu ia do Poupatempo ao Fórum. Na minha frente, um senhor, bastante idoso, pequeno e franzino, tentou subir no ônibus.

O motorista interpelou-o: cadê a carteira?

O velhinho dise que tinha a identidade, afirmou ter mais de sessenta e cinco anos.

Não precisaria do documento para provar a idade. Bastaria a sua figura.

O condutor cresce, o velhinho diminui ainda mais. Sob impropérios, é expulso.

O velhinho não subiu, e eu carreguei a lembrança da professora Márcia, do primeiro ano: “Para se conhecer uma pessoa, basta que se dê um pouco de poder a ela. Pode ser o porteiro da boate, qualquer um. Um pouco de poder...”

No dia seguinte, no Poupatempo, lá estava o nosso velhinho. Querendo saber dos seus direitos. Justamente sobre a gratuidade do transporte coletivo.

Eu o atendi e esclareci suas dúvidas. Alargamos a conversa, também, sobre outros tópicos.

De certa forma, tentei compensar um pouco a humilhação pela qual passou.

No entanto, o velhinho saiu do posto miúdo como o conhecera, e assim também tão velhinho e pequeno. De voz fraca e semblante doce. Sujeito a outros valentões que detenham um pouco de poder.

Irritadinho - CRÔNICAS DE UMA ESTAGIÁRIA DE DIREITO - NO POUPATEMPO

A Lígia estava na triagem. Um rapaz, com até boa figura, é o próximo.

Estava irritado, e despejava sua irritação sobre nossa amiga.

Ela, com toda a paciência, gentilíssima, tentou cortar caminho (porque depois, no atendimento, nós proporíamos a ele), mencionando o Procon.

- O quê!!!??? Procon! Você acha que eu vou madrugar para ir ao Procon? E quase voa no pescoço dela.

O caso vem até minhas mãos. Levo-o ao meu box.

Detalhe: a-do-ro os irritadinhos. Olho-no-olho, começo a fazer perguntas. Explico. A coisa vai por um caminho em que posso enunciar as alternativas que a pessoa tem. Se preferir assim, tal é o resultado. Se assado ...

Ao final, mostrei-lhe a vantagem de ir primeiro ao Procon. Pularia a audiência de conciliação do Juizado Especial, passando diretamente à segunda audiência. Seria mais rápido. Mas ele tinha a outra alternativa.

De toda forma, faríamos a petição, para o ingresso da ação. Se passasse primeiro no Procon, era preciso apenas retornar, sem precisar pegar fila. Em uma semana, a inicial estaria no Judiciário.

Saiu calminho, o rapaz da boa figura.

Lígia, Aline e as toalhas - CRÔNICAS DE UMA ESTAGIÁRIA DE DIREITO - NO POUPATEMPO

A Lígia prestava atendimento a uma moça.

Cabe um parêntesis: nossa amiga Lígia é uma garota inteligente, linda, linda mesmo, educada e sensibilíssima.

Vai daí que logo comoveu-se com a história sofrida. A Aline tentou ajudá-la, mas nenhuma das duas conseguiu enxergar uma resposta eficaz para o problema.

Para encontrar o caminho que não vislumbra, dirige-se a Aline, então, à professora. O Direito não apresentava respostas que lhe pudessem satisfazer. Retornam ao box, em busca de novas informações.

Esse vai-e-vem repete-se inúmeras vezes. As meninas, preocupadas, tentando resolver o problema, e a professora recusando qualquer possibilidade de solucionar o problema pelas vias judiciais.

Ao final, nossa amiga despede-se da moça, com lágrimas nos olhos.

No outro dia, a assistida retorna ao nosso posto, com um embrulho. Fizera duas toalhas, bordadas, muito bonitas. Uma para a Lígia, outra para a Aline. Por gratidão, pelo esforço e compaixão com que a atenderam.

Às vezes, mesmo quando nossa ajuda não se presta para mudar o mundo, pode, ao menos, fazer com que alguém se sinta importante. Importante ao ponto de comovermo-nos com a sua situação e buscarmos caminhos para aliviar o seu sofrimento.

O cachorro do vizinho



Primeira noite.
O cachorro do vizinho
Late, gane, uiva,
Dentro da noite insone.
As paredes, a janela
Não são barreiras
Para deter seus lamentos.
Segunda noite.
O cachorro do vizinho
Ainda sofre com a mudança.
Também sofro.
Eu, zumbi.

Conhece-te a ti mesmo

Até mesmo o mais celerado dentre os criminosos tem mãe, tem uma família. Por vezes, filhos.
Ama.
Se procurarmos, no fundo encontraremos a sua essência de ser humano.
Assim também se dá com aqueles diferentes de nós, a quem execramos.
No âmago, somos todos iguais.
A maior diferença reside naquilo que criamos para nós mesmos, como desculpa para nossos atos.
Sentimos toda a série de perversões humanas.
Porém, somos honestos conosco ou as camuflamos?
Se descobrimos em nós as nossas falhas, estamos a um passo de resolvê-las. De nos transformarmos em pessoas melhores.
Se temos uma atitude hipócrita, mentindo para nós mesmos, bem ...
Tanta coisa pode ser.
Sabemos reconhecer as falhas alheias. Viramos as páginas e as apontamos.
E as nossas?
Raciocinar neste caminho levará, inevitavelmente, ao lema imortalizado em Sócrates: "conhece-te a ti mesmo".

O Natal vem chegando. O ano-novo, também.

Para cristãos e não-cristãos, é uma data significativa, uma vez que somos bombardeados, todos os dias, com propagandas, planos de férias e festas, com o colorido das ruas e as luzes que comemoram a época.

Não me importo se a época é Natal. O que gostaria mesmo é que fosse Natal e ano-novo todos os dias, em nossos corações.

Que nos ressuscitássemos, como a fênix, em nossas esperanças, premiando-nos com o vigor, a luz e a certeza de um novo dia.

Todos os dias.

Que nos déssemos, sem o sabor de quem dá.

Que nos erguêssemos, a cada queda.

Que nos olhássemos nos olhos e pudéssemos dizer, a uns e outros: eu te amo.

Todos os dias.

Esse é o meu Natal.

É o Natal de paz e esperança que espero, para todos nós, no ano-novo.

Todos os dias.

Brincadeira de criança

De todo o coração, desejo-lhe o melhor Natal do mundo.
Mas a época, além de nos convidar a comemorar, presta-se, também, a que reflitamos.
A reportagem abaixo, de um realismo atroz, apresenta o ensejo a que pensemos e, afinal, tomemos uma atitude.
Convivemos com vários países dentro de um mesmo Brasil.
Essa é a infância de muitos brasileiros, que têm as suas fadas e bruxas, as suas casinhas, diferentes das que conhecemos.
Esse mundo existe, e está ao nosso lado.
As crianças retratadas na reportagem do Correio Braziliense desenvolvem-se em um mundo cruel, reproduzindo-o em suas fantasias infantis.
Seja por medo, por pena, por solidariedade, ou o nome que se dê ao sentimento que o motive, creio que devamos sair da inércia.
É o nosso país, são nossos irmãos, nossas crianças.
Que um dia serão adultas.
De modo que seus filhos fantasiarão, então, sobre os modelos que vivenciarão, num círculo vicioso.

Fonte: Jornal de Debates
13 11h28

Os brinquedos dos anjos
Os repórteres Ana Beatriz Magno e José Varella, do “Correio Braziliense”, investigaram durante 21 dias como brincam as crianças em favelas do Rio de Janeiro. O resultado é de arrepiar os cabelos.
Autor: Vicente Dianezi Filho - Participa desde: 23/12/2006

Barrados no baile

Esta sentença foi enviada a nós, alunos do 4º C, pela professora Valéria, no intuito de que refletíssemos a respeito.

Encerra ela uma questão de conceitos, orgulhos feridos e muita futilidade.

Ao invés de relatar a história, deixo-a como recebi, narrada pelo juiz que recebeu os autos, e a impressão que teve ele ao considerar o litígio, se é que houve.

Assim, cada um tire a sua conclusão, após também pensar um pouco a respeito.

Suprimi os nomes do autor e do réu. Ainda que públicos e de fácil acesso, penso que seja de bom tom deixá-los no anonimato.

Autos n° 075.99.009820-0/0000
Ação: Reparação de Danos/Ordinário

Fulana, representada por sua mãe Sicrana Silva, ingressou com Ação de Indenização por Danos Morais contra Clube x, todos qualificados. Aduz na inicial ter sido barrada na entrada de um baile, quando sofreu danos morais. Pleiteia uma indenização. Deu à causa o valor de R$ 5.440,00. Juntou documentos. Recebida a inicial, foi registrada e autuada.

Quem disse que a vida é justa?

Márcia Antunes, nossa professora de Iniciação à Teoria do Direito, repetia sempre: "quem disse que a vida é justa?"

Na verdade, as pessoas tomam as outras por si mesmas. O homem como medida do próprio homem.

Dessa forma, os ímpios julgam a humanidade ímpia, e agem sem peso na consciência.

Os inocentes acreditam os outros inocentes.

Os mais corajosos, entretanto, conhecem as perversões de sua própria alma, e trabalham para domesticá-las.

Sócrates e Paulo aludem a elas. Do primeiro, chega-nos o lema "conhece-te a ti mesmo". Do segundo encontramos a alusão ao espinho que o feria, que uns tantos entendem ser puramente físico.

Paulo foi um apóstolo genuinamente diferente dos demais. Também sua vida o diferenciou não apenas dos irmãos em credo, mas de quantos com ele conviveram, a seu tempo.

Dessarte, existe a possibilidade de referir-se ele a espinhos, quando remetia-se a experiências do espírito, assim como o próprio mestre aludia a parábolas.

Entretanto, poucos, muito poucos, são os homens que lutam por conhecer as próprias imperfeições.

Menos ainda os que têm em seu caráter força e coragem para tentar corrigi-las.

Parabéns - para quem?

Dia 11 de dezembro completei 47 anos.
Quando eu era criança, alguém de 25 era considerado velho.
Segundo meu pai, uma mulher de vinte e cinco anos, se não fosse casada, não seria boa coisa. Ou porque teria "se perdido" ou porque ninguém a quisesse.
Era uma coisa bastante hipócrita dizer-se que a mulher precisava de um homem, casado com ela, para ser considerada honesta.
Mas era outra a realidade.
Trabalhar, no tempo da minha mãe, somente com a autorização expressa do marido. E ele teria direito, inclusive, a receber o salário dela.
Minha avó foi uma exceção. Um maravilhoso exemplo de dignidade, trabalho e dedicação. Para mim e muitas gerações.
Os tempos mudaram, ou mudaram as pessoas e os conceitos, através dos tempos.
Alguém de 30 anos era velho, quando eu ainda tinha 20 anos.
Hoje, com quase cinqüenta anos, não sou jovem, mas também não sou velha, assim como a geração de minha idade.
Temos mais saúde, cuidamos da aparência e do intelecto. Estudamos, trabalhamos, somos pessoas ativas.
Senhores e senhoras de 50, 60 anos, são mais jovens e atraentes que muita garotada de antigamente.
Os cônjuges ou companheiros são mais amigos, cúmplices, um do outro. Não existe mais a tal subordinação.
Respeito é outra coisa, que não implica em obediência.
No ano que agora inicia concluo a graduação em Direito. Com notas muito boas, até agora, e sem "colar" nada. Nadinha mesmo.
Passei em um concurso disputado, há três anos.
Tenho uma família maravilhosa, planos, e me sinto viva.
Será que tenho a comemorar?
Sim, e muito.
Mas não somente eu.
Todos temos.
Os jovens de hoje também permanecerão jovens e ativos por muito mais tempo, e isso é uma conquista incomparável: qualidade de vida.
Não falo da qualidade de vida de índices e estatísticas, mas do sentir-se vivo.
Do poder dirigir sua vida, sonhar e planejar.
Mais, até: executar esses planos.
A experiência de vida conta, afinal. O que aprendeu, o que estudou, o que sentiu, o que viu, o que trabalhou.
E a somatória de tudo isso acaba sendo altamente positiva.
Depois desse balanço, tenho muito a comemorar.
Correção: nós temos.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

De carrões e carrinhos

O marido de uma amiga foi testemunha.

Estacionamento do Shopping Aricanduva. Época de festas.

Um Gol e um Audi procurando vaga. Depois de algumas voltas, aparece uma. Única. O motorista do Gol adianta-se e estaciona seu automóvel.

Refestelado, escarnece do outro condutor:

- O mundo é dos espertos!

Ato contínuo, o Audi afasta-se, em ré. Com a velocidade que consegue obter, choca-se frontalmente com o Gol. Após o choque, retruca:

- O mundo é de quem tem dinheiro!

Moral da história: cada um pense a sua. A mim cabia apenas contá-la. É sabida uma outra história, também verídica e acontecida de forma semelhante, no estacionamento do Shopping Morumbi.

Clarissa e o pôr-do-sol

Relia eu a Clarissa, do Érico Veríssimo. Em determinada passagem, comentei com minha filha que a menina, após o jantar, perguntou qual seria a sobremesa, e a resposta foi “pêssegos em calda”. Clarissa teria retrucado: “Outra vez!”.
A minha menina afirmou que adoraria comer sempre pêssegos em calda.
Não, rebati, se você comesse sempre, odiaria. Porque de tudo nos fartamos. É preciso a diversidade e a falta, para que possamos apreciar o que temos. Se você comesse lasanha todos os dias – ela a-do-ra-va lasanha –, iria enjoar.
Ela concordou e não concordou comigo. Acho que apenas fingiu que sim, para não me contrariar.
O tempo passou.
Quando morei no interior, no alto do morro, tínhamos um horizonte muito extenso. O sol pousava mansamente sobre a represa, transluzindo o céu e as águas em manchas coloridas. Era belíssimo. Era belíssimo todas as tardes. Tantos dias, que deixei de apreciar.
Sabia-o belo, mas não mais subia à varanda, para aguardar o pôr-do-sol.
Passou a ser o belo para mostrar-se aos outros, como um troféu, um prêmio que se tem guardado.
Deixou de ser o suficiente. Eu precisava de mais do que o belo. O belo pôr-do-sol de todas as tardes.
Porque mesmo do bom e do belo se farta, se temos apenas a ele todos os dias.

A loira - NO FÓRUM

Aconteceu em outro cartório, também da área cível.
Balcão cheio. A loira chega. Pede um processo.
O escrevente o entrega, mas não o solta:
- Pode deixar que eu vejo pra você.
Ela reluta:
- Não. Eu mesma olho.
A certa altura, observa, distraidamente, o lado esquerdo.
Todos os olhares estão dirigidos a ela.
Disfarçadamente, posiciona-se voltada para o lado direito.
Ergue o olhar. Olhos cobiçosos devoram-lhe.
Recua dois passos e concentra-se no processo.
Cabe ressaltar que não era uma loirinha, mas A Loira.
Não estava vestida com poucas peças, uma vez que fazia frio aquele dia.
O escrevente, na sua mesa, não trabalhava, à espera de uma oportunidade de ajudar. A oportunidade não veio. Antes disso, a loira sai, e ao sair, todos os olhares a acompanham: os dos estagiários e dos advogados, no balcão, o do escrevente, em sua mesa.
Nunca mais voltou àquele cartório.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Noites de estrelas – NO CAMPO

Vivi anos no interior, no mato, aonde não chegam a água e o asfalto, o correio e o jornal. No alto, bem no alto do morro.

Existem, porém, noites muito claras, iluminadas apenas pela lua e pelas estrelas. Parece coisa de quem exagera ou de poeta. Como é possível?

O fato é que, antes de morar ali, não imaginava que existissem noites assim. Olhando o céu, há tantas estrelas e enormes manchas brancas, que jamais vi quando morava na cidade. É impressionante!

Esse olhar o céu, fantástico, nos acompanha agora, vivendo novamente na cidade.

Sei que todas estão lá, apenas não podemos vê-las. Assim como não as vemos durante o dia.

Milhares e milhares de estrelas, convidando-nos a sonhar. Como em nenhum outro lugar tive a oportunidade de ver.

Límpidas, claras, alumiando o caminho. A noite fazendo-se dia.


Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

Conheça mais. Faça uma visita blogs disponíveis no perfil: artigos e anotações sobre questões de Direito, português, poemas e crônicas ("causos"): http://www.blogger.com/profile/14087164358419572567
Pergunte, comente, questione, critique.
Terei muito prazer em recebê-lo.

Nova caipira: plantando mandioca - NO CAMPO

Um dia, no pomar, minha sogra me pergunta como se plantava mandioca.

E eu sabia como se plantava mandioca? Penso. Respondo que com pedaços da mandioca.

Resposta errada. Não apenas errada, mas estúpida. Eu, bicho da cidade vivendo recentemente no mato, deveria saber que não se planta raiz. Sinal de que não pensei direito.

Ela ri. Ri às escâncaras. Depois, ensina-me a plantar. O caule apresenta vários nozinhos. Esse caule, cortado em pedaços, é que é plantado. Dos nozinhos nascem os brotos, que se transformam em pés de mandioca.

O caso da mandioca nos acompanhou por anos. Vira e mexe trazia ela o caso da nova caipira que não sabia plantar mandioca.

Há cinco anos, ela faleceu. Foi um amor de sogra: uma mãe. Não só mãe, mas a mãe carinhosa que toda filha gostaria de ter.

Marinheira de primeira viagem - NO CAMPO

Certa vez, tive uma égua chamada Paloma. Prenha, prestes a dar à luz a um potrinho, Paloma deita-se no chão de terra. Nós esperamos.

Saímos, voltamos. Nada acontecera.

Preocupados, perguntamos ao caseiro se seria possível ajudá-la. Não. Se nos intrometêssemos, ela recusaria o filhote.

Mais tempo se passa, e nada do potro nascer.

Afinal, coloca ele a cabecinha para fora, encoberta pela placenta, e permanece nessa posição.

Há um estalo, uma voz que vem do passado, quando minha filha estava para nascer:

- “Mais força, agora, serão ela morre sufocada!”

Percebo que a marinheira de primeira viagem deitara-se em um terreno em declive, com as pernas para a parte mais alta. A topografia não a ajudaria a expelir o filhote. Até pelo contrário: teria ela que fazer um esforço além do natural, para que ele nascesse.

Peço a minha filha que segure a cabeça da Paloma. Faça carinho e converse com ela.

Nega-se, com medo de que a mãe o recuse.

- “Faz o que estou mandando!”

Com as mãos, puxo o potrinho, que escorrega, com facilidade.

Rasgo a placenta para que o potro respire. Começo a puxar, enrolando como uma corda, aquela pele longa e molhada. Enrolo, enrolo, e não acabava mais. Pronto: estou tirando já as tripas dela. Meu Deus, o que fiz!
De toda forma, já estava feito. Saímos, para deixar mãe e filho à vontade.

Em uma hora estava ele em pé. Meio trôpego, mas em pé.

O que enrolei no braço, foi só a placenta mesmo.

O potrinho? Foi cuidado pela mãe, naturalmente.

Essas marinheiras de primeira viagem!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O rapaz da esfiha

Quando a Renata era adolescente, pelos quatorze anos, teve seu primeiro namoradinho.

Um dia, o garoto a levou ao Habib’s, para comemorar.
Comeram esfihas, naturalmente.

Conversa vai, conversa vem, ele deu-lhe um anel. Anel de compromisso, entre namorados, como é comum, hoje em dia.

Tudo muito bom, muito bonitinho.

Até que ele sorriu: havia “uma esfiha” cobrindo o dente dele.

Visto o sorriso com a “esfiha”, acabou o amor. Ficou marcada a imagem, e ela não podia mais esquecer do sorriso, nem da esfiha, quando olhava para ele. Transformou-se do rapaz bonitinho no rapaz da esfiha.

A história já me foi contada mais de uma vez. Sinal da importância que teve na sua vida.

Daí, que a lição ficou. Para ela e para mim. Talvez não para ele, pobre rapaz, que nunca soube o que fizera de errado, para esfriar um relacionamento tão agradável.

Assim, sempre que como alguma coisa, corro ao espelho verificar se não tenho “uma horta” cobrindo os meus dentes (sou louca por saladas).

sábado, 1 de dezembro de 2007

Não se tome a parte pelo todo

Costuma-se tomar a parte pelo todo.

Como se o veiculado no noticiário pudesse representar a unanimidade. Mas não é assim.

Notícia boa não vende jornal.

Há atos recrimináveis praticados em todos os setores da sociedade.

Os policiais pertencem a uma organização, submetida à rígida disciplina.

Ganham pouco, o que os coloca entre a classe dominada.

Moram lado a lado.

É raríssimo filha de classe média matar seus pais, pela herança.

Quando acontece, o caso repercute na memória das pessoas, por anos a fio.

Pagará ela além do que o que cometeu o mesmo crime, na favela: com a sua imagem.

A polícia paga, com a sua imagem, pelos atos divulgados na mídia, praticados por alguns de seus elementos.

O fato de um caso ser divulgado na imprensa não tem o sentido de regra, mas de exceção, caso contrário, não teria notoriedade.

Não vai a público o regular, o normal, mas aquilo que foge ao padrão aceitável.

Não vai a público a briga de comadre.

Não vai a público o sujeito pobre que baleou o colega de bar.

Não vão a público as misérias da vida cotidiana.

Se os parlamentares do Japão se pegarem de tapa, será notícia no mundo inteiro.

Se um chefe de Estado cometer uma gafe, no dia seguinte, estará estampada em todos os jornais.

Porque o que é interessante veicular são as exceções de quem está em evidência.

Se o sujeito é pobre, não interessa o que lhe passa, a não ser que ele represente a força, o poder.

Ainda que seja ele apenas uma peça.

Peça defeituosa.

Da vírgula - NO FÓRUM

Ontem, precisei intimar as partes de um processo sobre despacho de nosso juiz. Todavia, a decisão era manuscrita, e a incompreensão de duas palavras comprometiam o significado do texto.

Após várias leituras, sem êxito, submeti o texto à Rose, colega de cartório, com vinte anos de exercício.

Não soube dizer ela do teor do despacho.

Em nova tentativa, exibi a decisão à escrevente de sala, nossa colega Miriam. Ela conhece melhor o juiz, a letra do juiz. Com certeza saberia.

Mas também não soube dizer.

Finalmente, mostrei a folha ao nosso diretor, Varella. Ele a leu, não entendeu. Leu novamente.

Virou a folha, e tinha algumas outras palavras rabiscadas no verso. Pronto, o contexto trouxe as palavras que faltavam.

Uma vírgula, longa vírgula, caída da linha superior, transformara-se em um C, ensombrecendo o significado das palavras que não conseguíamos traduzir. Apenas uma vírgula.

Meu hummm espontâneo, de compreensão, trouxe a atenção dos colegas que nos observavam.

- Foi só a vírgula que caiu!

De carros e seguros

A Joice tinha acabado de estacionar o carro, em frente à faculdade.
Chamaram-na: bateram em seu carro.
A motorista tinha seguro, foi educadíssima.
Previsão: quinze dias sem o veículo.
Resultado: quarenta e cinco dias na oficina.
Ela tem necessidade do carro: mora em Moema e atravessa São Paulo para estudar e trabalhar em São Bernardo.
Até hoje a janela precisa de uma mãozinha, para fechar.

Sábado à tarde, o William dirigia-se ao curso ministrado aos escreventes.
Bateram em seu carro.
O motorista tinha seguro, foi educadíssimo.
Previsão: vinte e quatro horas sem o carro.
Chegou a pensar que era piada.
Resultado: no dia seguinte lá estava o seu carro.
Novo.
Na segunda-feira, foi trabalhar de carro.

Qual a diferença?
A seguradora, talvez.
Pode ter sido, também, o plano.
Mas penso que o motivo fundamental seja porque quem bateu no carro dele dirigia uma BMW.

Pequena diferença, que alcança grandes resultados.

E se quem avariar o seu carro for um calhambeque velho, caindo aos pedaços, sem seguro?

Aí, você estará com problemas, se o SEU carro não estiver segurado.

Prova com a Leonor

Ontem tivemos a última prova de Processo Penal deste ano. A professora que nos acompanhou foi a Leonor, de Direito de Família.

Das vezes em que levantei a cabeça e a olhei, sorria.

Ao final, depois da entrega da prova, ela comentou comigo que é interessantíssimo estar lá na frente, enquanto fazemos a prova. Deveriam filmar, porque é muito engraçado.

Eu rio o tempo todo. Disse que, se depender do meu humor, devo ter ido muito bem.
Comentou também de outros colegas. O Márcio, por exemplo, resmunga durante toda a prova. Outros têm os olhos espichados para a prova dos colegas.

As pessoas desligam-se, e agem instintivamente, em atitudes cômicas.

Eu não sabia que ria, durante as provas.

Deve ser muito chato para o colega ao lado, que precisa de pontos, olhar para mim.
“A desgraçada, além de tudo, fica rindo!”

Ocorre que acho engraçado quando, se de três assertivas, sei duas, e na escolha das opções-teste, sobram duas que enquadram as possibilidades permitidas pelas afirmativas.

Penso que posso recorrer a um atalho, mas o professor me pegou, de novo.

Então, tenho que ler novamente, com mais atenção, a última proposição.

Pode não ser engraçado para muitos, talvez a maioria.

Pode até nem ser engraçado.

Poderia pensar que é um azar, porque não pude adivinhar a resposta, como também poderia pensar que o professor foi esperto, antevendo a minha dúvida.

Tudo depende.


Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

Conheça mais. Faça uma visita blogs disponíveis no perfil: artigos e anotações sobre questões de Direito, português, poemas e crônicas ("causos"): http://www.blogger.com/profile/14087164358419572567
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Terei muito prazer em recebê-lo.

Sotaque português-italiano - NO FÓRUM

O advogado tinha o falar carregado nos erres, como o daqueles repórteres com o sotaque paulistano de antigamente. Dizia-se que éramos os únicos, na língua portuguesa, a falar com o sotaque italiano. A maioria dos paulistanos o perdeu.

Pois ele usava um falar em tonalidade mais alta, clara e profunda, enchendo o cartório da sua personalidade.

Nossos olhares se voltavam para ele e para a estagiária que o atendia.
Chamam-me. Vou ao seu encontro.

O processo é de 1978. Afirma ele que houveram ordens para a expedição de mandados de levantamento.

Solicito que mostre, nos autos, a ordem do juiz. Ótimo.

Então, peço que encontre os comprovantes dos depósitos. Não estes, mas aqueles, porque preciso de tais e tais números, para copiá-los. Fazemo-lo juntos.

Rabisco no verso da capa as folhas das quais preciso: pronto!

Hoje estará pronto, amanhã será assinado e daí retornarão os autos, para a retirada das guias.

- Deixo o telefone, para você me ligar?

- Não, o senhor pode acompanhar o andamento pela Internet. Depois do “aguardando assinatura”, estará aqui.

Sai feliz.

Tornando à minha mesa, a Silvia comenta que ele teria dado trabalho. Não, respondi. Ajudou-me com um processo longo. Eu teria levado mais tempo, procurando os dados, para cumprir a ordem do juiz. Agora, em cinco minutos, faço tudo.

Um falar profundo, a voz de trovão, pode indicar personalidade ou sei lá mais outras características da pessoa. Não sou especialista da área. Deixemos o assunto para quem o queira pesquisar. O fato é que não podemos nos deixar intimidar com isso.

Ele é o interessado. Se bem conduzido o diálogo, os conhecimentos que ele tem dos autos podem me ajudar a fazer o meu serviço, que vão ao encontro do que ele deseja. Se assim for, ambos sairemos ganhando, e mais felizes.

Às vezes, tornamos a coisa complicada, quando não o é.


Maria da Glória Perez Delgado Sanches
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ITANHAÉM, MEU PARAÍSO

ITANHAÉM, MEU PARAÍSO
Nada vale um coração tranquilo.

MARQUINHOS, NOSSAS ROSAS ESTÃO AQUI: FICARAM LINDAS!

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